O centro histórico de Vila Nova de Cerveira: a evolução do castelo medieval e da muralha moderna

O presente artigo foi realizado no âmbito da Unidade Curricular de Cidade e Centro Histórico, que foi agora realizada por mim, no primeiro semestre do primeiro ano do mestrado em Ensino de História no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário, que frequento atualmente. Foi neste sentido que a professora lançou o desafio de realizar um trabalho sobre a valorização da vertente histórica e patrimonial dos centros históricos, através de abordagens macro escala ou média e microescala. Como não podia deixar de ser, decidi que o meu trabalho deveria tratar algo relacionado com Vila Nova de Cerveira. Como também integro o grupo de trabalho local do projeto europeu AR.C.H.ETICS, que trata do património dissonante, sendo o Castelo de Vila Nova de Cerveira o monumento escolhido pelo município. Ou seja, o tema escolhido não podia deixar de ser “a evolução do castelo medieval e da muralha moderna”, desde antes da fundação da vila de Cerveira até aos nossos dias.

Figura 1 – Castelo de Vila Nova de Cerveira.
Fonte: Município de Vila Nova de Cerveira, “Castelo de Cerveira vai ser transformado em hotel de 4 estrelas”. Município de Vila Nova de Cerveira, 23 de outubro de 2019. Disponível em https://www.cm-vncerveira.pt/pages/348?news_id=1801 (consultado em 30 de dezembro de 2023).
  1. 1. Enquadramento Histórico-geográfico
    1. 1.1. Antes da Construção do Castelo
  2. 2. O castelo na Idade Média
    1. 2.1. A sua construção e a fundação da vila
  3. 3. O castelo e a muralha na Idade Moderna
    1. 3.1. A Construção da Muralha Abaluartada
  4. 4. O castelo e a muralha na Contemporaneidade (séculos XIX-XXI)
    1. 4.1. A destruição da muralha (século XIX)
    2. 4.2. A Pousada de D. Dinis (séculos XX e XXI)
      1. 4.2.1. O Projeto AR.C.H.ETICS
  5. 5. Considerações finais
  6. 6. Referências Bibliográficas

1. Enquadramento Histórico-geográfico

1.1. Antes da Construção do Castelo

Vila Nova de Cerveira é um concelho do Alto Minho, que faz fronteira a Norte com o Rio Minho, que o separa do concelho galego de Tomiño. Do distrito de Viana do Castelo, ao qual pertence, Vila Nova de Cerveira é o município com menor área administrativa, sendo que as freguesias de maior intensidade populacional localizam-se nas margens do referido rio, visto que é aqui onde se encontram as áreas agrícolas mais importantes (Almeida, 2021, p. 9).

Figura 2 – Localização de Vila Nova de Cerveira.
Fonte: Google Earth, Disponível em Google Earth (consultado em 30 de dezembro de 2023).

Os primeiros vestígios de presença humana no território que hoje corresponde ao concelho de Vila Nova de Cerveira datam cerca do V milénio a.C. É em cerca do 4 milénio a.C. que se deve enquadrar um dos achados arqueológicos mais importantes do Alto Minho, a cista da Quinta da Água Branca, descoberta em 1906, uma sepultura com restos de um corpo, acompanhado por um grande espólio, que atualmente se encontra à guarda do Museu Nacional de Arqueologia.

No I milénio a.C., com a época dos Castros, começa-se a perceber como o território estava organizado. Enquanto atualmente o concelho de Vila Nova de Cerveira compreende um total de 15 freguesias, embora a formação paroquial venha dois milénios mais tarde, neste espaço já existiam 14 habitats em planície, típicos da cultura castreja, que foram sendo, progressivamente, abandonados, voltando apenas a ser ocupados pelos agricultores do início da romanização. O castro do Forte de Lovelhe, o único que foi alvo de intervenção arqueológica no concelho, é um ótimo exemplo da cultura castreja.

De acordo com os registos arqueológicos, a ocupação do espaço central da atual vila remonta, pelo menos, a um período ainda não especificado da ocupação romana. Esta presença romana é denotada no concelho de Vila Nova de Cerveira, não só através dos vestígios deixados no dito castro do Forte de Lovelhe, mas também pelos marcos miliários recolhidos, já que é possível que a via XIX, que ligava Bracara Augusta (atual cidade de Braga) a Lucus Augusti (atual cidade de Lugo, na Espanha), passasse na atual freguesia de Sapardos (Almeida, 2021, p. 26).

Com o fim da presença romana, no início do século V, foi a vez dos Suevos e, mais tarde, os Visigodos se instalarem em Vila Nova de Cerveira. Da presença visigótica é de ressaltar a conta que foi encontrada durante uma escavação arqueológica no castro do Forte de Lovelhe, que data do século VI d.C. e única em Portugal (Almeida, 2023). Em 711, os muçulmanos chegaram à Península Ibérica e muito pouco se sabe sobre o impacto que esta invasão teve nesta região, o que poderá indicar que não houve uma fixação efetiva destes no território.

Figura 3 – Conta Suevo-Visigótica (século VII).
Fonte: Arquivo pessoal. “A Origem do Burgo”. Município de Vila Nova de Cerveira, 28 de março de 2023.

Já na segunda metade do século IX, a mudança de local da administração político-religiosa dos reis asturianos para as margens do rio Douro e a descoberta, em Castela, do túmulo do apóstolo São Tiago, serviram como elementos catalisadores dos cristãos galaico-asturianos nas suas investidas contra o poderio muçulmano. Desde a ocupação romana do espaço central da vila até ao começo do século XII nada se sabe, mas pressupõe-se que certas parcelas foram ocupadas por núcleos de mercadores e por casais de lavradores que viviam mais ou menos isolados e, por isso mesmo, mais desprotegidos (Almeida, 2021, pp. 33-34).

Com a independência de Portugal, o perigo de invasão aumentou e o rei sentiu a necessidade de reforçar a defesa do território, mandando construir castelos nos pontos estratégicos, onde se inclui o antigo castelo de Vila Nova de Cerveira. Este encontrava-se no topo do Alto do Castro, local onde atualmente se encontra a escultura do Cervo Rei, do escultor José Rodrigues, tinha como função inicial garantir a defesa das populações na sua área de influência contra os ataques vindos do exterior, sendo privilegiado pela sua localização no topo da montanha, pois aumentava o campo de visão (Almeida, 2021, p. 34).

A Terra de Cervaria era um território de caça, nomeadamente de cervídeos, que deram o nome à localidade, e que, apesar de escassamente povoada, não deixava de ter interesse estratégico, pois o rio Minho era navegável até Valença. A cronologia da construção deste castelo ainda é incerta, mas deverá ser anterior à fundação da monarquia portuguesa, apesar da primeira notícia dele apenas ser encontrada, de forma indireta, em 1229.

As Inquirições ordenadas por D. Afonso III (1210-1279), em meados do século XIII, não mencionam o castelo, mas como a maioria das freguesias dependentes deste Julgado pagavam impostos de natureza militar, é bem provável que o castelo ainda estivesse minimamente operacional, embora não servisse os intuitos régios de uma eficaz defesa da fronteira.

2. O castelo na Idade Média

2.1. A sua construção e a fundação da vila

Figura 4 – 1º foral concedido a Vila Nova de Cerveira, por D. Dinis, em 1321.
Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Foral de Cerveira dado por D. Dinis. PT/TT/GAV/15/3/12. Disponível em https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4711725 (consultado em 30 de dezembro de 2023).

Será o filho de D. Afonso III, D. Dinis, através da outorga da Carta do Foral, a 1 de outubro de 1321, quem mandou construir uma cerca à volta do “cabeço que dominava as pescarias e a passagem fronteiriça em frente a Goyan”. Esta cerca, que em termos arquitetónicos se encontra na transição entre o românico e o gótico, havendo uma predominância clara do gótico, e que mais se parece com um castelo, apenas tinha duas portas: a Porta da Traição, direcionada para o rio; e a Porta Principal, que ligava o interior do castelo ao terreiro, local da feira (Programa Estratégico de Reabilitação Urbana de Vila Nova de Cerveira, 2018, pp. 27-28).

Figura 5 – Porta Principal (ou Porta de Nossa Senhora da Ajuda).
Fonte: Arquivo pessoal. Vila Nova de Cerveira, 17 de dezembro de 2023.
Figura 6 – Porta da Traição, virada para o Rio Minho.
Fonte: Arquivo pessoal. Vila Nova de Cerveira, 17 de dezembro de 2023.

Esta última porta, também denominada Porta de Nossa Senhora da Ajuda, ainda conserva o arco apontado, o escudo com as armas de D. Dinis e várias marcas de canteiro, algo que é possível observar ao longo de outras paredes do castelo contemporâneas a esta porta (Anexos 1 e 2). No total, existem oito torres quadradas ao longo de todo o castelo, sendo que a Torre de Menagem (também conhecida por Torre dos Mouros) foi a única que permaneceu minimamente intacta após as obras no tempo das Guerras da Restauração (Almeida, 2000, p. 15).

Figura 7 – Torre de Menagem, ao lado da Porta da Vila.
Fonte: Arquivo pessoal. Vila Nova de Cerveira, 17 de dezembro de 2023.

O Programa Estratégico de Reabilitação Urbana de Vila Nova de Cerveira (2018, pp. 28-29) defende que o burgo terá sido obrigado, desde muito cedo, a se alargar para fora da área amuralhada, algo que pode ser afirmado com base em dois aspetos. O primeiro deve-se à impossibilidade de se instalarem 100 famílias, tal como é referido no primeiro Foral de Cerveira, num espaço tão reduzido como é interior do castelo. Em segundo lugar, é de notar que a Igreja Matriz, já retratada por Duarte D’Armas (1465-?), no início do século XVI, localiza-se no exterior da área das muralhas.

Pelo contrário, Almeida (2021, pp. 35-36) afirma que o castelo foi mandado edificar “numa pequena elevação situada às cavaleiras do rio Minho e a curta distância da pequena igreja dedicada a São Cipriano, que prestava apoio religioso à escassa população que já ali morava”, sendo que ainda hoje a igreja é dedicada a São Cipriano. Visto isto, não é possível afirmar que o burgo teve de se alargar para fora da zona amuralhada, pois a dita igreja já existiria antes da construção do castelo e da fundação da vila.

Continuando nesta linha de pensamento, Brochado de Almeida afirma que “o rei mandou construir um castelo que protegesse a fronteira e a população da vila entretanto criada, mas não determinou que a vila ficasse rodeada de muralhas”, sendo que o único que se conseguia instalar dentro do castelo era “a guarnição militar, a cisterna e os edifícios relacionados com a atividade administrativa e militar”. Ou seja, as habitações localizavam-se fora da zona do castelo, mas acantonadas ao mesmo, como é visível na representação da Vila do século XVI, por Duarte D’Armas.

Figura 9 – Vila Nova de Cerveira vista do Oeste, segundo Duarte d’Armas (1509-1510).
Fonte: Armas, D. Livro das Fortalezas Situadas no Extremo de Portugal e Castela por Duarte de Armas, Escudeiro da Casa do Rei D. Manuel I. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, 12 de novembro de 2008. Disponível em https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=3909707 (consultado em 13 de outubro de 2023).

Nesta representação, é possível observar o castelo junto ao rio Minho, que, segundo a mesma, era navegável, pelo menos, até Vila Nova de Cerveira. Além disto, é de notar o aglomerado populacional e a Igreja Matriz, junto à zona amuralhada com as oito torres. A Torre dos Mouros é facilmente identificável, porque, além de ser mais alta, localiza-se nas proximidades da Porta Principal. Dentro do castelo, é possível identificar um número reduzido de habitações, que poderão ser os edifícios de natureza administrativa e militar.

Figura 10 – Vila Nova de Cerveira vista de Este, segundo Duarte d’Armas (1509-1510).
Fonte: Armas, D. Livro das Fortalezas Situadas no Extremo de Portugal e Castela por Duarte de Armas, Escudeiro da Casa do Rei D. Manuel I. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, 12 de novembro de 2008. Disponível em https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=3909707 (consultado em 13 de outubro de 2023).

Nesta segunda representação, já é possível identificar as oito torres do castelo, bem como a Porta da Traição, que está voltada para o Rio Minho. Atualmente, a Porta da Vila recebe os visitantes do castelo com os escudos de armas de três monarcas que, de alguma forma, realizaram intervenções na zona amuralhada: D. Dinis, que foi quem o mandou edificar; D. Fernando (1345-1383), pois provavelmente foi ele que mandou construir a barbacã; D. Manuel I (1469-1521), que realizou grandes obras, nomeadamente, a porta da barbacã, mas também porque outorgou o segundo foral a Cerveira (Almeida, 2021, p. 38).

Figura 11 – Os três escudos de armas presentes no castelo de Cerveira.
Os escudos de armas correspondem, da esquerda para a direita, a D. Dinis, D. Fernando e D. Manuel I.
Fonte: Arquivo pessoal. Vila Nova de Cerveira, 17 de dezembro de 2023.

3. O castelo e a muralha na Idade Moderna

Até à segunda metade do século XVII, o castelo de Vila Nova de Cerveira passou por vários momentos de inatividade, em especial no período de governação dos Filipes (1580-1640), que não tinham qualquer interesse em dotar militarmente estruturas defensivas que mais tarde poderiam vir a ser utilizadas contra si.

3.1. A Construção da Muralha Abaluartada

A necessidade de fortificar adequadamente a povoação e defender a passagem do rio, realizada com alguma facilidade em frente à vila de Cerveira, surgiu aquando da Restauração da Independência (1640) e, por conseguinte, das Guerras da Restauração (1640-1668). Foi entre 1660 e 1667 que, por ordem de D. Diogo de Lima (? – c.1685), Visconde de Vila Nova de Cerveira e Governador das Armas da Província do Minho, se construía a fortaleza moderna, juntamente com o Forte de Lovelhe e a pequena fortificação da Atalaia (Carvalho, 2014, p. 92).

Figura 12 – Representação das fortificações modernas de Vila Nova de Cerveira, em 1763.
Fonte: Brandão, G. Topografia da Província de Entre Douro e Minho. Biblioteca Pública de Braga, 1763 (consultado em 12 de outubro de 2023).

A fortaleza abaluartada, tipo Vouban, “era um polígono irregular de grandes dimensões que envolvia o atual centro da vila e o castelo dionisíaco” (Almeida, 2021, p.39). Era composta por quatro baluartes (das Almas, de Nossa Senhora da Conceição, do Espírito Santo, e de S. Miguel), um meio baluarte (de Santa Cruz, o único que chegou aos nossos dias) e “uma tenalha em dentes de serra, que acabaria por ficar conhecida pelo Baluarte de S. Sebastião. Em redor das muralhas existia um amplo fosso escavado” (Ramalho, 2015, p. 85).

Figura 14 – Representação da muralha moderna de Vila Nova de Cerveira, em 1763.
Fonte: Brandão, G. Topografia da Província de Entre Douro e Minho. Biblioteca Pública de Braga, 1763 (consultado em 12 de outubro de 2023).
Figura 15 – Baluarte de Santa Cruz e pequeno reduto da muralha moderna.
Fonte: Arquivo pessoal. Vila Nova de Cerveira, 16 de agosto de 2022

É nesta altura, aquando da construção da fortificação, que o castelo sofre uma das suas grandes mudanças, visto que as torres foram rebaixadas até à altura da cortina do muro, “que foi provido de um parapeito e de novas aberturas e de pseudobaluartes para assentamentos das peças de artilharia” (Almeida, 2000, p. 16). Através das Memórias Paroquias de 1758, é possível perceber quais eram as estruturas que ainda se encontravam dentro da zona do castelo: os Paços do Concelho, com o pelourinho à sua porta, a cadeia e o armazém de el rei, que não se sabe localizar atualmente (Ramalho, 2015, p. 87).

Figura 16 – Estruturas localizadas no interior do castelo. Do mais próximo para o mais afastado: antigos Paços do Concelho (com o Pelourinho em frente), cadeia velha e Igreja da Misericórdia.
Fonte: Arquivo pessoal. Vila Nova de Cerveira, 17 de dezembro de 2023.

4. O castelo e a muralha na Contemporaneidade (séculos XIX-XXI)

Embora estas alterações todas verificadas durante o século XVII, os séculos seguintes corresponderam a um período de perda de valor militar do castelo (visível, por exemplo, através da construção da Igreja da Misericórdia no século XVIII), que foi sendo gradualmente dado ao abandono, excetuando-se o período das invasões francesas (1807-1810). Como se sabe, em 1809 ocorre a segunda invasão francesa, quando as tropas de Napoleão Bonaparte (1769-1821) tentaram entrar em Portugal através do Alto Minho, nomeadamente em Vila Nova de Cerveira no dia 15 de fevereiro, todas elas sem sucesso, entrando, mais tarde, por Chaves. Foi perante esta situação de ameaça externa, que surgiu a motivação, por parte do Governador da Praça de Vila Nova de Cerveira, Gonçalo Coelho Araújo (1732-1815), da realização de pequenos arranjos nas muralhas do castelo (Ramalho, 2015, p. 87).


Figura 17 - Igreja da Misericórdia de Vila Nova de Cerveira: porta de entrada, brasão e altar-mor
Fonte: Arquivo pessoal. Vila Nova de Cerveira, 25 de julho de 2023/17 de dezembro de 2023.

4.1. A destruição da muralha (século XIX)

Após as invasões francesas, o complexo militar do castelo e da muralha abaluartada “entraria num processo de acentuada decadência”, devido ao forte crescimento demográfico e urbanístico da vila, que levaram à destruição quase total da estrutura abaluartada e parte da barbacã medieval (Simões, 2019, p. 2).

A torre de menagem serve de exemplo para retratar a decadência da muralha defensiva, pois em 1839 já estava arruinada, sendo entregue à camara, que se viu obrigada a demoli-la até metade após ser atingida por um raio, em 1844. Seguia-se, em 1856 e 1857, a demolição da Porta do Cais (Ramalho, 2015, pp. 87-88). A destruição efetiva da muralha deu-se a partir de 1875, quando, a 22 de março, a Câmara recebeu autorização para “proceder à demolição das paredes, aterrar fossos, desmontar baluartes e guaritas”, de modo a conseguir fazer crescer a área urbana para lá do Arrabalde, obra que ficou concluída em 1905 (Almeida, 2021, p. 40; 44).

Figura 18 – Planta atual do castelo medieval e da fortaleza moderna.
Fonte: Lara, R. (2019). “Fortificações de Vila Nova de Cerveira”. Torres, castillos y fortalezas. Disponível em https://miscastillos.blog/2018/06/18/fortificacoes-de-vila-nova-de-cerveira/ (consultado em 26 de dezembro de 2023).

O século XIX, especialmente as últimas décadas, foi de intensa construção de novos e importantes edifícios, mas também de novas infraestruturas, como a linha de caminho de ferro, o que ajudou na aceleração do processo de destruição da muralha moderna (Carvalho, 2014, p. 92). A estrada para Valença também foi outra infraestrutura que levou à destruição da muralha, bem como as estradas, que hoje se denominam, Rua José Duro e Rua 25 de Abril. A referida construção da linha de caminho de ferro estaria já em curso por volta de 1880, o que provocou a demolição da cremalheira em dentes de serra, que era voltada para o rio (Ramalho, 2015, p. 88).

Figura 19 – Planta topográfica da evolução urbana do centro da vila de Cerveira, segunda metade do século XIX.
Fonte: Costa, C. J. M., & Costa, D. V. (2002). Documentos da Memória. Vila Nova de Cerveira – Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular 1809-1909. Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, p. 211 (consultado em 26 de outubro de 2023).

Porém, não foi apenas no século XIX que se verificou o desmantelamento da muralha, pois esta continuou durante todo o século XX, primeiramente para a construção do Jardim de Chagny, na década de 20, e do auditório municipal, na década de 70. O último troço demolido ocorreu na década de 80, de modo a abrir a praça Alto Minho, a Rua 1º de Outubro e a Avenida Heróis do Ultramar (Ramalho, 2015, p. 89).

4.2. A Pousada de D. Dinis (séculos XX e XXI)

O castelo de Vila Nova de Cerveira veio a ser classificado como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto n.º 735/74, de 21 de dezembro. Entre 1977 e 1982, sofreu obras de restauro e adaptação a pousada (Peixoto, 2005, p. 61), que é inaugurada a 6 de setembro de 1982 (Castelo de Vila Nova de Cerveira, sem data).

Figura 20 – Postal das festas comemorativas do Centenário da Guerra Peninsular, 1909 versus O interior do castelo atualmente.
Fonte 1: Costa, C. J. M., & Costa, D. V. (2002). Documentos da Memória. Vila Nova de Cerveira – Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular 1809-1909. Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, p. 75 (consultado em 26 de outubro de 2023).
Fonte 2: Arquivo pessoal. Vila Nova de Cerveira, 17 de dezembro de 2023

Em 2004, a candidatura do Plano Diretor das Fortalezas Transfronteiriças do Vale do Minho, no âmbito do Programa Interreg III, é aprovada e, em 2006, é apresentado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira um Plano de Pormenor de Salvaguarda do Centro Histórico, coordenado pelo Arquiteto Sandro Lopes e a Arqueóloga Paula Ramalho. A Pousada esteve em funcionamento até 2008, quando foi encerrada pelo grupo Pestana, o seu concessionário. Desde final de 2016, o castelo integra a lista de imóveis que o Estado Português quer concessionar a privados, através do Programa REVIVE (Castelo de Vila Nova de Cerveira/Pousada D. Dinis, 2019).

4.2.1. O Projeto AR.C.H.ETICS

Em julho de 2023, o município de Vila Nova de Cerveira anunciou que passava a integrar um projeto europeu que debate o futuro do património “dissonante”, sendo o Castelo de Vila Nova de Cerveira o monumento escolhido para servir de “caso de reflexão sobre o modo de encarar o futuro de um património que faz parte de uma comunidade” (Lusa, 2023).

Assim, o grupo fixo de trabalho que integra este projeto pretende “chamar a população e as várias entidades locais a pronunciarem-se sobre o estado atual e a visão futura deste ‘ex-líbris’ do concelho”. O projeto AR.C.H.ETICS (Architecture, Citizenship, History and Ethics to shape Dissonant Heritage in European cities) reúne nove cidades da União Europeia que partilham a presença de património dissonante, definido por historiadores, arquitetos e especialistas em património, já que há uma ligação intrínseca entre os elementos físicos, como edifícios, ruas ou praças, e o contexto histórico (Lusa, 2023).

Figura 21 – Notícia de divulgação do projeto AR.C.H.ETICS
Fonte: Lusa. (2023, novembro 10). Câmara de Vila Nova de Cerveira recusa hotel no castelo e quer reverter concessão. AltoMinhoTV. Disponível em AltoMinhoTV (consultado em 10 de novembro de 2023)

5. Considerações finais

Em jeito de conclusão, é importante mencionar que no centro histórico de Vila Nova de Cerveira existem três edifícios classificados, um como Monumento Nacional, o Pelourinho, presente no interior do Castelo, em frente ao antigo edifício dos Paços do Concelho; e dois como Imóvel de Interesse Público: o Castelo, tal como já foi referido; e, o Solar dos Castros, localizado em frente à Igreja Matriz.


Figura 22 - Edifícios classificados do centro histórico de Vila Nova de Cerveira: Solar dos Castros, Castelo e Pelourinho
Fonte 1: Município de Vila Nova de Cerveira. “Biblioteca Municipal”. Vila Nova de Cerveira, s.d. Disponível em https://www.cm-vncerveira.pt/pages/227 (consultado em 30 de dezembro de 2023)
Fonte 2: Arquivo pessoal. Vila Nova de Cerveira, 12 de dezembro de 2021
Fonte 3: Arquivo pessoal. Vila Nova de Cerveira, 17 de dezembro de 2023.

O Castelo é um edifício de extrema importância para a vila de Cerveira, desde a sua fundação até aos nossos dias. Apesar de atualmente já não ter importância militar, tem-na não só a nível histórico, mas também cultural, religioso (devido à Igreja da Misericórdia), arquitetónico, entre outros. Ao longo da História sofreu várias alterações, mas conseguiu permanecer praticamente de intacto, algo que não aconteceu com grande parte dos castelos medievais do Alto Minho, já que, por exemplo, Melgaço ou Lapela apenas resta a Torre de Menagem e, no primeiro caso, uma parte da zona amuralhada, ou o caso de Valença, que apenas restam algumas partes da muralha medieval por baixo da fortaleza moderna. Infelizmente, a muralha moderna de Vila Nova de Cerveira, essencial na defesa da Vila e de Portugal, não teve o mesmo fim do que o Castelo, pois, devido à evolução do urbanismo, sentiu-se a necessidade de destruí-la.

6. Referências Bibliográficas

Almeida, C. A. B. de. (2000). Pelos Caminhos do Património de Vila Nova de Cerveira. Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira.

Almeida, C. A. B. de. (2021). Vila Nova de Cerveira. Das Origens à Vila das Artes. Município de Vila Nova de Cerveira.

Almeida, C. A. B. de. (2023, março 28). Quintas Patrimoniais. A Origem do Burgo.

Carvalho, D. B. (2014). Revitalização do Castelo D. Dinis [Dissertação de Mestrado]. Escola Superior Gallaecia.

Castelo de Vila Nova de Cerveira. (sem data). Sistema de Informação para o Património Arquitectónico.

Castelo de Vila Nova de Cerveira/Pousada D. Dinis (Programa REVIVE). (2019). Turismo de Portugal.

Lusa. (2023, novembro 10). Câmara de Vila Nova de Cerveira recusa hotel no castelo e quer reverter concessão. AltoMinhoTV. https://www.altominho.tv/site/2023/11/10/camara-de-vila-nova-de-cerveira-recusa-hotel-no-castelo-e-quer-reverter-concessao/

Peixoto, A. M. (2005). Castelo de Vila Nova de Cerveira. Em J. V. Capela, As Freguesias do Distrito de Viana do Castelo nas Memórias Paroquiais de 1758. Alto Minho: Memória, História e Património (p. 61). Casa Museu de Monção/Universidade do Minho.

Programa Estratégico de Reabilitação Urbana de Vila Nova de Cerveira (Operação de Reabilitação Urbana Sistemática da Área de Reabilitação Urbana). (2018). Município de Vila Nova de Cerveira.

Ramalho, P. (2015). As Fortificações Modernas de Vila Nova de Cerveira e a sua Importância Patrimonial. O Pelourinho, 19, 81–102.

Simões, D. T. (2019). Castelo de Vila Nova de Cerveira (Programa REVIVE). Turismo de Portugal.

08-02-2024

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